Governos estaduais questionam a exigência de retorno mínimo de 20% para distribuição
Uma batalha acirrada vem sendo travada nos bastidores entre os governos estaduais e a Petrobrás. Asfixiados pela falta de gás natural, os Estados, principalmente os do Sul do País, exigem mudanças nos contratos de concessão das distribuidoras de gás canalizado, considerados incompatíveis com a realidade da economia brasileira.
O principal foco de insatisfação é a exigência de uma taxa de retorno mínimo de 20% para os investimentos realizados pelas concessionárias. A alegação é que isso torna inviável a capilaridade e interiorização da rede de gás. Hoje, a Petrobrás é acionista de 19 distribuidoras de gás canalizado no País.
O descontentamento é tão grande que, segundo apurou o Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, o governo do Paraná já cogitou a possibilidade de encerrar o contrato de concessão da Compagás, companhia controlada pelo Estado em conjunto com a Petrobrás e a japonesa Mitsui. Em Santa Catarina, o contrato da SCGás é alvo de contestação do Tribunal de Contas da Estado (TCE), que no fim do ano passado concedeu o prazo de 180 dias (até agosto deste ano) para que as inconsistências identificadas fossem sanadas.
Em entrevista ao Broadcast, o diretor-presidente da SCGás, Cósme Polêse, reconheceu a necessidade de se discutir alguns pontos do contrato de concessão, tendo em vista que foram concebidos em uma realidade muito diferente da atual condição da economia brasileira.
Segundo uma experiente fonte da indústria de gás, os contratos de concessão das distribuidoras foram assinados no início dos anos 1990, época marcada pela alta da inflação e risco financeiro mais elevado. Hoje, com a estabilidade da economia, as condições de rentabilidade para investimentos no País também mudaram.
No Estado de São Paulo, cujo contrato de concessão não prevê retorno mínimo de 20%, a rentabilidade dos ativos é revista pelo órgão regulador a cada cinco anos. No atual ciclo tarifário, o retorno regulatório foi definido em 9,95%. No Rio, cujas regras são parecidas com as de São Paulo, o retorno proposto pelo regulador para os próximos cinco anos é de 9,84%.
Essa condição explica o porquê de as distribuidoras de São Paulo e Rio liderarem as estatísticas de extensão de rede. Até maio deste ano, os dois Estados concentravam 73% da malha de distribuição do País, cuja extensão é de 23,57 mil quilômetros. Em comum entre as duas áreas está a forte presença das concessionárias no mercado residencial, que exige grandes investimentos na capilaridade da rede.
Residências. Segundo a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado, 1,29 milhão clientes residenciais têm acesso ao gás em São Paulo e 827,28 mil consumidores no Rio, perfazendo o total de 93% do número de clientes residenciais no País – nenhuma outra distribuidora tem números semelhantes a esses.
As peculiaridades dos contratos não se resumem ao retorno mínimo. A fórmula de cálculo das tarifas de distribuição considera taxa de depreciação (desvalorização contábil por tempo de uso) anual de 10%, o que significa que, em tese, todos os ativos das concessionárias estariam totalmente depreciados em 10 anos. Isso onera a conta de gás paga pelos consumidores porque as tarifas precisam cobrir o nível de desvalorização dos ativos. Contudo, a taxa prevista nos contratos contraria o que é praticado hoje nos setores regulados. No processo de renovação das concessões do setor elétrico, o governo usou depreciação de 3% ao ano.
“Como os grandes mercados de gás já foram conquistados, as distribuidoras de outros Estados precisam fazer as contas bem direitinho para tornar os investimentos viáveis”, disse a fonte. No relatório de análise do contrato da SCGás, os técnicos do TCE-SC concluíram que a taxa de depreciação de 10% e a rentabilidade de 20% podem tornar inviável a ampliação do atendimento a outras classes de consumidores que não os industriais pelo baixo consumo de residências e comércios.